Grades
de proteção para afastar a multidão, toldos e um palanque foram
desmontados às pressas na manhã de ontem depois que a presidente Dilma
Rousseff cancelou a viagem
a Missão Velha, no sertão do Cariri, divisa do Ceará com Pernambuco,
porque o palco da festa fora montado num trecho de obra paralisada da
ferrovia Transnordestina. O Planalto abortou a escala da presidente no
local para evitar constrangimentos, diante da constatação de abandono da
obra.
O Estado percorreu alguns trechos da obra em Missão Velha, que
seria visitada hoje por Dilma. As cenas relembram o abandono já
constatado pela reportagem do jornal
em dezembro, quando percorridos trechos da transposição do Rio São
Francisco. Ontem, ao inspecionar obras do projeto no Nordeste, Dilma
afirmou que quer ‘obras controladas’ (leia abaixo).
Na ponte 01 de Missão Velha, que está sendo construída,
apenas quatro empregados foram encontrados trabalhando no local, pouco
antes das 10 horas da manhã, 24 horas antes da visita da presidente. O
trecho é de responsabilidade da Odebrecht.
No meio do caminho da estrada de terra que liga Juazeiro do Norte a
Missão Velha, a reportagem cruzou ontem com um caminhão que transportava
as grades que seriam usadas na montagem do palanque da cerimônia com a
presidente Dilma.
Segundo o representante do Sindicato dos Trabalhadores da Construção
Pesada do Ceará (Sintepav) no Cariri, Evandro Pinheiro, dos 813
funcionários que estavam empregados no início de dezembro, nos três
trechos de obras da Transnordestina, restam hoje apenas 190.
Nas obras da transposição, no Ceará, a situação é ainda pior: dos
1.525 trabalhadores registrados em novembro restaram só 299 em Mauriti,
município visitado por Dilma ontem.
‘Nem se percebe que tem gente trabalhando aqui. Eles (os quatro
trabalhadores) estão aqui para não dizerem que está tudo parado. Aqui
tinha de ter ao menos 40 ou 50 pessoas’, disse o presidente do
Sintepav-CE, Raimundo Nonato Gomes. ‘Prova de paralisação é que nem tem
mais vigia na obra e o refeitório foi desativado, como vocês podem ver’,
acrescentou ele.
Cícero Roberto Gomes Bezerra foi um dos demitidos pela Odebrecht em
janeiro. ‘Não estou fazendo nada. É um desespero. Tenho muita
preocupação com o futuro dos meus filhos. Já procurei trabalho em
Pernambuco, Ceará e na Paraíba. As obras estão todas paradas. O jeito é
tentar ir para São Paulo porque tenho três filhos para sustentar e não
posso ficar aqui esperando eles voltarem, que ninguém sabe quando vai
acontecer.’ Cícero foi demitido em janeiro. Antes, já havia sido
dispensado de obra da transposição em Mauriti.
Reflexos. A cidade de Missão Velha já sente os reflexos dessas
demissões nos trechos da Transnordestina. Cícero Antonio Gorgonha, dono
da Mercearia e Casa de Frios Gorgonha, disse que o faturamento do
restaurante caiu R$ 10 mil por mês com a diminuição do movimento. ‘Estão
entregando as casas que alugaram e parando de comprar. Muita gente foi
embora. É uma grande perda para o comércio que estava cheio de esperança
com as obras’, desabafou Gorgonha.
No Restaurante Tempero Mineiro, o movimento caiu 30%, segundo Demi,
que não quis informar o sobrenome. Ele disse que em dezembro tinha 20
funcionários e já demitiu 6 deles.
Ontem, em Juazeiro, a presidente justificou por que cancelou a visita
à área da Transnordestina: ‘Quero ver o maior trecho em andamento que é
de Eliseu Resende até Salgueiro e de Salgueiro até Suape’. O ministro
da Integração Nacional, Fernando Bezerra Coelho, anunciou que vários
contratos da Transnordestina e da transposição serão rescindidos com
empreiteiras para ‘não estourar os limites legais’ de aditivos de 25%
dos valores totais da obra.
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